Minha Pequena Boulangerie

A peregrinação pelo canelé perfeito

Canelés

O canelé é um doce francês, tradicional de Bordeaux, originado no século XVI. É uma receita extremamente difícil de fazer – são as pequenas coisas que realmente fazem a diferença para um resultado extraordinário. E, também, é o doce preferido do marido – o que torna o desafio ainda maior!

Seu nome vem do “Gascon”, língua falada em Bordeaux até o século XX, “Canelat” com um único “n”, e pode ser traduzido por “canelado”, em função da fôrma utilizada para assá-lo.

Eles foram criados pelas freiras do convento Annonciades de Sainte-Eulalie, que fizeram disso sua especialidade até a revolução francesa. Elas recolhiam o trigo derramado nos porões dos navios mercantes ou dos sacos partidos no cais do porto para produzirem a farinha. E as gemas eram as sobras não utilizadas para a colagem dos vinhos.

Bordeaux era um grande porto comercial onde era fácil obter rum e baunilha. As freiras adicionaram esses ingredientes à receita para dar mais sabor. Essas pequenas guloseimas eram então distribuídas aos pobres ou vendidas em seu benefício.

Em 1790, durante a revolução, elas foram expulsas de seu convento.

Por volta de 1830, a receita do Canelé foi retomada por alguns chefs de Bordeaux, que souberam mantê-la até os dias atuais.

Para mim, é a receita que mais representa a fala de Da Vinci: “Simplicidade é a melhor forma de sofisticação” ou a de Coco Chanel: “A simplicidade é a tônica da verdadeira elegância”.

Por tamanha sofisticação, decidi escrever dois textos: um para falar sobre os melhores canelés que já comemos – durante nossa viagem para a região de Bordeaux em 2016, e outro com o passo a passo de uma receita que fiz a partir de uma curadoria com base em livros e, também, de alguns cursos dos quais participei.

E vamos à nossa peregrinação pelo canelé perfeito.

Saímos de Paris utilizando trem de alta velocidade em direção a Tours, uma linda cidade na região do Vale do Loire, conhecida por seus castelos de contos de fadas e jardins impecáveis. Ficamos alguns dias em Tours e depois seguimos para Bordeaux por trem novamente.

Situada no sudoeste da França, distante 500 quilômetros de Paris, Bordeaux tem cerca de 236.000 habitantes. É a 9ª cidade da França em termos de população e muito consagrada e conhecida ao redor do mundo pela sua elegante e sofisticada produção de vinhos.

Além de Bordeaux, também visitamos Saint Emilion, um pequeno povoado a cerca de 50 quilômetros de Bordeaux, conhecido como uma das zonas vinícolas mais bonitas e antigas da região. Percorrer as ruas de pedra dessa pequena cidade foi, sem dúvida, uma experiência única.

Mapa França

Obs.: confesso que tivemos uma certa frustração em relação aos canelés de Bordeaux – além de não serem os melhores que provamos, achamos que a comercialização do doce está muito vulgarizada, pois há uma grande rede de lojas espalhadas em toda a cidade (tem uma em cada esquina).

Bem, vamos à nossa peregrinação:

Baillardran (Bordeaux)

Ao desembarcarmos na estação de trem de Bordeaux, demos de cara com uma das várias lojas da Baillardran e a quantidade (e a produção) de canelés é impressionante. Parece uma joalheria.

Em 1988, Philippe Baillardran, filho de um pâtissier, decidiu colocar o canelé no centro de seu negócio. O “Canelé Baillardran”, como é conhecido, está disponível em 3 tamanhos (pequeno, médio e grande) e apresentado em diferentes embalagens.

Como já mencionei, quantidade não significa qualidade. Provamos um canelé logo na chegada e a nota do marido para o doce foi um 6.0 bem “chinfrim”.

Porém, vale muito a pena visitar a loja, mesmo que virtualmente: https://www.hdmedia.fr/visite-virtuelle/hd/cbpolpSHr-will-distribution-baillardran.html


PAUL (Bordeaux)

No dia seguinte, andando pelas ruas centrais de Bordeaux, demos de cara com uma das lojas PAUL, uma empresa familiar fundada em 1889, que está na quinta geração, e presente em mais de 33 países.

Paul

Já havíamos visitado outras lojas da PAUL, mas nunca havia encontrado canelés – ou, pelo menos, nós não estávamos com o “radar” ligado para encontrá-lo.

A textura “chicletenta”, bem típica do canelé, fez com que a nota do marido fosse um pouco mais generosa neste caso: PAUL recebeu um 7.0.

Agora, a brincadeira começa a ficar mais séria.


Les caprices d’Amelie (Saint Emilion)

Nos programamos para visitar Saint Emilion por um dia, tendo, como foco gastronômico principal, beber e comprar vinhos excepcionais. Porém, para a nossa surpresa, o foco da visita acabou sendo outro: encontramos algumas pequenas lojinhas especializadas em canelés.

Ao contrário do que tínhamos encontrado na Baillardran, cheia de seus brilhos e badulaques, as pequenas docerias de Saint Emilion eram de uma simplicidade irritantemente encantadora.

Logo que chegamos, encontramos a Les Caprices d’Amélie (os caprichos de Amélie).

Les caprices d’Amelie

A reação do marido ao provar esse canelé foi tão engraçada que até filmei: ele deu uma mordida e… saiu correndo. Sabe quando a Ana Maria Braga se esconde embaixo da mesa quando experimenta algo incrível!? Foi a mesma coisa. No caso do marido, se escondeu atrás de um carro estacionado pra comer tudo sozinho. Ele obviamente não permitiu postar o vídeo aqui. Mas me garantiu algumas boas risadas.

Por conta disso, a nota já foi para outro patamar: a Amélia, que é mulher de verdade, ganhou um belo 8.0.


Lemoine (Saint Emilion)

Ao longo de seis gerações, a família Lemoine soube transmitir seus conhecimentos e contribuir para a fama do canelé. Além da lojinha em Saint Emilion, eles possuem mais três unidades em outras pequenas cidades.

Na verdade, o termo mais apropriado para a Lemoine não seria “loja”, mas sim “portinha”. Eles só produzem canelés e foram muito simpáticos ao me deixarem entrar para fotografar a produção. O aroma de baunilha era incrível.

Lemoine

Apesar de serem super tradicionais, não foram o suficiente para superar a nota da “Amélia” – Lemoine ganhou um bom 7,5.


Mouliérac (Saint Emilion)

Matthieu Mouliérac não é conhecido pelo canelé, mas sim, pelo famoso macaron de Saint Emilion – uma espécie de bolachinha (ou, para os cariocas, bixxxcoito) feita de amêndoas.

No século XVII, quando as vinhas ainda não cobriam todas as encostas de Saint-Emilion, as amendoeiras floresciam na região. De geração em geração, a receita dessa bolachinha de amêndoa foi transmitida em um ambiente estritamente familiar entre os Moulièracs. Em 1986, Matthieu Moulièrac decidiu perpetuar a especialidade de sua avó Jeanne Moulièrac.

Mas atenção: para visitar a loja, vista sapatos confortáveis e com boa aderência porque, além do piso ser extremamente escorregadio, ela fica numa “pirambeira” numa ruazinha estreita típica da aldeia, num edifício de época.

Tanta tradição e aventura teriam que adicionar alguma vantagem a Matthieu Moulièrac, cujo canelé recebeu um belo 8,0 do marido.


David Capy (Bordeaux)

De volta a Bordeaux, fora do “mood” da busca pelo canelé, encontramos uma das lojas de David Capy, que foi considerado, em 2007, Meilleur Ouvrier de France (ou MOF), um concurso que elege o melhor profissional de uma determinada área da produção artesanal.

A competição acontece a cada quatro anos desde 1924 entre profissionais das mais diversas áreas: de artesãos de cerâmica passando por técnicas com tecido, beleza, floricultura, sommelier e chef. No total, são 17 categorias que ainda se subdividem em outras categorias. O concurso exige muita disciplina, rigor e excelência.  Após ganhar o prêmio, o vencedor torna-se uma referência no assunto.

A loja tinha doces de comer com os olhos. Havia poucos canelés que, certamente, não eram a atração principal.

Mesmo com um título tão importante, David Capy não conquistou o coração do marido, que atribuiu uma nota 6,0 ao seu canelé.

David Capy

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